HÁ TANTA IDEIA POR PENSAR
Uma pequena homenagem a Vergílio Ferreira
Não são as religiões – é a política que conduz os homens aos seus embates mais ferozes. Mas é a imoral dos preconceitos que distingue os homens racionais dos que agem irracionalmente.
Um dia todos nos libertaremos. É uma utopia saudável, pensá-lo. Pensar é uma utopia saudável. Deixaremos então a farsa antiga da mitologia e da revelação, pelo que podemos vir a ser juntos e em inter-relação. Pensar há de ser isso.
Deus não está morto. Pode estar desinteressado, muito desiludido, cansado, mas não morto. Em última análise, se Deus é uma criação do Homem – e não o Homem uma criação de Deus, como a tradição reclama -, esse cansaço é o próprio Homem, exaurido. Incapaz.
O Homem, todavia, ainda não está morto, embora o seu esforço para conduzir-se ao último fôlego de vida seja percetível, persistente e notável.
Todas as ideias em torno de Deus, mesmo a que atrás fica registada, são imprecisas. Porque todas as metáforas são imprecisas.
Não há linguagem humana capaz de falar de Deus, sendo mais fácil dirigir-Lhe orações, falar em nome d´Ele ou dar-Lhe importância nula – do que falar Dele. Qualquer frase sobre Deus é humana. Impura, portanto. Cada um dos muitos nomes de Deus descreve um aspeto diferente do seu caráter multifacetado.
Houve uma altura em que as adorações eram dirigidas aos membros falecidos da família e também ao Deus Lar, fogo sagrado situado no interior da casa. Crer nada tinha nada a ver com as convicções pessoais ou com o indivíduo, mas cada qual seria, no acreditar, a expressão do outro. Ao Deus Lar eram dirigidas preces e pedidos de sabedoria e castidade.
Fustel de Coulanges no seu livro A cidade antiga, afirma que “o fogo do lar é uma espécie de ser moral”.
Mas se Deus não está morto, espante-se com o paradoxo: Deus também não está vivo. Repare-se que metafisicamente, a vida é um processo contínuo de relacionamentos. O conceito implica reciprocidade. A um Deus unívoco opor-se-ia um Homem equívoco. E entre ambos a grande parede marmórea da ausência do sagrado na vida quotidiana. Até o medo do fim, o medo da morte, se dilui com a rapidez intensificada do viver. A urgência na vida é uma face: vejam-se as novas exigências (ser bonito, magro, rico, leve, atraente, superficial, transgressor, inculto, lúdico, despolitizado, distópico, impune, eclipse). A preguiça é a outra (morrer no sofá sem levantar um dedo para o comando que nos permitira ver o anúncio do fim do mundo iminente).
Deus também não está moribundo. Porque isso provaria a sua existência e negaria a sua transcendência sobre o banal.
Deus não está. Simplesmente.
Alexandre Honrado
Historiador
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